quinta-feira, 2 de setembro de 2010

As Estações do Homem



Caros amigos!

Alguém já parou para pensar que nós estamos em constante mudança? - Óbvio que sim, na verdade é até um certo clichê.
Mas é a verdade, e verdade também é o fato de sempre retornarmos a um ponto passado (a pessoas passadas também).
Esse poeta menor se pergunta até onde vale a pena procurar uma pessoa do passado que muito o atingiu com palavras (aliás, procurar mais uma vez).
Mas dessa vez acho que não dá! A estação que volto é a maior primavera da minha vida, mas as flores já murcharam e não há por que regar plantas que exalam odores nocivos a mim.
Bom... literatura, falávamos de clichês, românticos e mudanças...
Aliás, quem melhor pra trazer à tona assuntos clichês do que poetas do Romantismo (não, isso não é uma crítica!).
Abaixo uma tradução (minimamente comentada), que me arrisquei a fazer de um poema de Keats, que data de quando eu podia dizer que entendia um pouco de literatura.

The Human Seasons

FOUR Seasons fill the measure of the year;
There are four seasons in the mind of man:
He has his lusty Spring, when fancy clear
Takes in all beauty with an easy span:
He has his Summer, when luxuriously
Spring’s honey’d cud of youthful thought he loves
To ruminate, and by such dreaming high
Is nearest unto heaven: quiet coves
His soul has in its Autumn, when his wings
He furleth close; contented so to look
On mists in idleness—to let fair things
Pass by unheeded as a threshold brook.
He has his Winter too of pale misfeature,
Or else he would forego his mortal nature.

John Keats

As Estações do Homem

Quatro estações na extensão anual;
Há quatro estações na mente do homem:
Tem sua primavera sensual,
Quando inocente só beleza tem:
Tem seu verão, quando lascivamente,
Ama o doce pasto¹ primaveril
De jovem ruminar, o sonho eminente
Que o eleva ao céu: quieto redil²
Su’ alma tem outono, quando escusa
Asa ao vento, satisfeito em velar
As nuvens em ócio – deixar a musa³,
Ignota como nascente, passar.
*E seu inverno é em pálida mesa**,
Finda assim sua mortal natureza.***

Tradução poética por Rodrigo Brioschi do poema The Human Seasons de John Keats.

¹ É interessante notar que "Pasto de Mel" (uma possível tradução para honeyed cud) é uma pastagem atacada por fungos que secretam um melaço na ocasião da reprodução. Definição interessante se pensarmos em Lusty Spring e luxuriously mencionados no poema.
² Para a expressão quiet coves a melhor tradução seria "calmo esconderijo", no entanto, o termo "redil" (curral para a recolha de gado, ou ainda em sentido figurado significando grêmio), facilita a rima e favorece a metáfora criada pelo autor com os termos cud (aqui traduzido como pasto, mas que se refere ao alimento que os ruminantes trazem à boca) e ruminate.
³ Neste ponto, o poema abre um leque de possibilidades, a expressão fair things poderia ser traduzida como "coisas justas" e outras possibilidades similares; no entanto, o termo fair também se refere, poeticamente, à mulher formosa, logo "musa" faz muito bem um meio termo por ser uma palavra poeticamente usada que tanto serve para definir a mulher como as inspirações de um poeta. O termo "fair things" aparece traduzido em outra fonte posteriormente consultada como “tudo”.
* Nesses versos, o poeta quebra o ritmo no original em inglês; para aqueles familiarizados com a escansão por tonicidade verão que o autor opta por versos de cinco pés iâmbicos durante todo o poema, exceto nos dois últimos versos em que o autor excede, terminando com uma sílaba átona. Vale ressaltar que a métrica escolhida para o português foi uma métrica de acordo com a poesia latina clássica (versos decassílabos).
** Trata-se da diferença mais radical em relação ao poema original, pale misfeature seria melhor traduzido como "pálida descaracterização", expressão que inviabilizaria a forma optada para a tradução poética. Apesar de "mesa" não aparecer no poema original, ela, assim como misfeature, faz bem a função de referência à morte.
*** Tradução literal: "ou então ele renunciaria a sua natureza mortal".